CONCEPÇÃO
Perdera as contas de quantas
vezes tentou engravidar em vão. Cada gota que fluía, mês após mês, anunciava
uma esperança moribunda.
Numa dessas situações de tristeza
e frustação, enquanto as lágrimas a embalavam, adormeceu. Sono inquieto... ela
sonhou.
Na verdade, não me atrevo a dizer
se algum devaneio, sonho ou realidade foi. Assim aconteceu:
Eva Maria estava sentada há horas
observando as crianças ao longe em suas brincadeiras no sangradouro do açude.
Percebeu então barulho de galhos sendo quebrados e um súbito esvoaçar de aves.
Medo. Um temor enorme se apoderou dela e viu-se paralisada sem qualquer reação
de fuga.
Um homem de aspecto comum,
sorriso largo e olhos muito, muito brilhantes aproximou-se dela de forma gentil
e cavalheiresca.
_Peço perdão pela minha aparente
demora, mas, acredite: Fui pontual.
Sem entender o que o estranho
estava a dizer, muda e ainda sem esboçar reação, o medo cedia lugar à
curiosidade. O semblante daquele homem, de alguma forma, dissipou lhe o pânico
e um impulso quase infantil a impelia
junto a ele com confiança.
Trouxe-lhe um presente. Na
verdade, há muito tempo o tenho selecionado e preparado com muito entusiasmo e
hoje venho te entregar.
O homem tomou-lhe a mão e,
abrindo-a delicadamente, depositou uma pequena semente em sua palma.
_Ela é bem pequena, eu sei.
Aparentemente comum – ele sorriu com amabilidade – mas certamente – aí seu
rosto revestiu-se de um aspecto solene – a nenhum herói, ou sábio, em qualquer
que esteja na História o seu lugar, foi dado uma missão que sobrepujasse ao
tipo da tua, jovem jardineira!
Sem dar-lhe chance de qualquer
reação, continuou:
Toma esta semente e a deposita
com cuidado naquela terra que fica embaixo do balanço do jardim de tua casa,
bem aonde tu vens regando e adicionando sais à terra com tuas abundantes
lágrimas e tuas melodiosas orações diárias. Memorizei algumas delas de tanto
que me agradaram!
Eis que te coroo rainha nesse
momento, pois já fiz de teu esposo rei. Cuida de não delegar tua função a
outrem e deleita-te na majestade da
maternidade!
Quando estiver com as mãos sujas
de terra, cabelos desgrenhados, rosto suado...lembre-se do privilégio de teu
encargo e tenha uma submissão orgulhosa: obediência digna, no uso de tua
autoridade paras o serviço: o mundo todo está contando contigo!
Cria esta semente devagar,
regando-a com tuas lágrimas e preparando a terra sempre de joelhos genoflexos.
Eu te garanto quer todos os dias
enviarei os raios do meu sol para ti e tua pequena.
Por último, te dou este par de
alianças: uma para ti e outra para Adam, seu esposo.
E, ao abrir suas mãos lentamente,
revelou duas joias incomparáveis, ofertando-as com um discreto sorriso.
Com a respiração quase suspensa,
Eva leu a gravação escrita com letras impecáveis: “Teus conselhos, nunca
precederão teu ser”.
Como se nenhuma palavra a mais
fosse necessária, sorri, vira-se e retorna
pelo caminho da mata à dentro, deixando
atrás de si um perfume que evocava a própria infância de Eva parcialmente
apagada pelo feroz e implacável tempo.
Como que despertada pelos gritos
das crianças que ainda brincavam, Eva Maria retornou lentamente para sua casa e
a cada passo parecia que flutuava, tamanha felicidade e espanto que dela se
apoderou.
Adam, sentado à sua espera, a
fitava como se tudo tivesse presenciado. Nenhuma pergunta.
Estendeu o dedo para que ela
pusesse o anel junto à aliança de casamento com um sorriso marejado nos lábios.
Abraçaram-se. Ele se ajoelhou e beijou-lhe o ventre demoradamente. Sentaram-se
nas cadeiras de balanço, em sua pequena varanda, ao som de bem-te-vis e
cardeais do nordeste, apreciando o cheiro dos bulgaris como se a nenhum outro
rei e rainha fosse oferecida recepção mais bem preparada e honrosa.
Telina Cleine.