Algumas reflexões sobre a narração

Algumas reflexões sobre a narração, por Helen E. Wix (C.M.C)

The Parents’ Review, 1957, pp. 61–63

“Narração? Ah, sim… é isso que fazem nas escolas da P.N.E.U., não é? As crianças apenas leem um trecho e depois narram, e o professor não faz quase nada além de ouvir. A lição nem precisa ser preparada de verdade, porque está tudo nos livros que as crianças usam.”

Ainda existem pessoas que acreditam que essa é toda a verdade, mesmo depois de visitarem uma escola da P.N.E.U. e assistirem às aulas lá. Às vezes pode até parecer que não há muito mais do que isso, embora o visitante admita, com surpresa, que a narração das crianças foi realmente extraordinária, e isso após uma única leitura da lição.

Será que ensinar na P.N.E.U. pode ser tão simples assim?

Quase todas as crianças têm um desejo profundo e natural de contar aos outros aquilo que viram ou ouviram — com raríssimas exceções. Elas também possuem uma imaginação visual muito viva, de modo que o que relatam corresponde exatamente ao que “viram” na mente enquanto liam ou escutavam. À medida que envelhecemos, percebemos que tendemos a refletir detalhadamente sobre as coisas que nos impressionam e, quando ficamos ainda mais velhos, nos obrigamos a resumir mentalmente o que queremos lembrar com precisão ou os argumentos que desejamos usar.

Acho que é correto afirmar que a narração, tal como praticada nas escolas da P.N.E.U., se baseia nesse poder da mente de recordar conhecimentos adquiridos a partir de uma única leitura, observação ou ação, e no fato de que tal recordação causa uma impressão tão profunda na mente que permanece por muito tempo e nunca se perde totalmente.

A narração assume muitas formas, mas sempre responde, ainda que mentalmente, à pergunta: “O que vem depois?”. É claro que, desde o início, ela exige algum grau de concentração. Crianças muito novas, nas turmas de maternal, não são obrigadas a narrar formalmente, embora muitas insistam em fazê-lo devido a esse impulso natural de “contar tudo” a alguém. Quantos de nós conseguem evitar contar aquela boa história que ouvimos no dia anterior? Quando precisamos lembrar alguma informação, não repetimos mentalmente os passos, ainda que seja algo simples como: “Primeira à esquerda e terceira à direita”? 

A narração é extremamente satisfatória para quem narra, embora, infelizmente, possa ser um pouco entediante para o ouvinte, já que ele a recebe em “segunda mão”. E conhecimento em segunda mão é… mas isso é outra conversa.

Assim, os pequenos começam, com carinho, a contar à mamãe ou à irmãzinha tudo o que leram ou ouviram. Por volta dos seis anos, a narração já é esperada na escola. As histórias e textos oferecidos nessa fase despertam uma atenção tão intensa que a maioria das crianças mal consegue esperar sua vez de narrar, empenhando-se em relatar cada detalhe. Esse período é marcado pelo desenvolvimento da atenção involuntária e pelo fortalecimento progressivo do hábito da concentração. Durante cerca de dois anos, pouco esforço consciente de atenção precisa ser incentivado formalmente, pois o poder de atenção cresce continuamente, tornando-se cada vez mais habitual.

Mas será que a narração, mesmo nessa idade, é apenas “contar de volta”? Sabemos que não. É a resposta pessoal da criança à pergunta “O que vem depois?”. A narração pode ser dramatizada, com boas falas e comentários críticos dos atores e observadores; pode ganhar forma em desenhos de mapas, modelagens em argila, pinturas com aquarela, giz, ou até modelos de papel com tesoura e cola. No entanto, o elemento central é o relato em palavras. O objeto produzido — o mapa, a modelagem, a pintura — será descrito cuidadosamente, porque, salvo raríssimas exceções, apenas palavras satisfazem plenamente a mente.

À medida que a criança avança no ensino fundamental, outras formas de narração podem ser usadas: ela pode criar títulos ou tópicos para cobrir a lição e narrar preenchendo os detalhes em cada parte; ou a turma pode ser dividida em pequenos grupos, cada um com um líder, narrando trechos ou a lição inteira. O professor responsável deve estar plenamente atento a tudo que está acontecendo. Crianças tímidas muitas vezes narram melhor em grupo; uma criança especialmente “tímida” pode ser atendida individualmente pelo professor ou por um colega amigável. Há crianças — e adultos também — que não se expressam facilmente em fala, mas narram com clareza no papel.

Nesse estágio, é comum que a lição termine com uma discussão séria e cuidadosa, surgida das perguntas levantadas pelas próprias crianças ou pelo professor. É preciso ter cuidado para não permitir que as opiniões sejam formadas com base em conhecimentos insuficientes; esta é uma oportunidade para mostrar às crianças como essas opiniões formadas de forma descuidada podem ser perigosas. Este ensino desenvolve-se à medida que as crianças avançam na escola.

A narração também traz seus riscos. Um professor entusiasmado, desejando “melhorar” a lição, pode cair na tentação de falar demais, incluindo no meio da aula um fato curioso de sua própria experiência. Ou pode não ter preparado a aula com o devido cuidado — pois as aulas de narração exigem uma preparação cuidadosa — de modo que só percebe tarde demais que há nomes e palavras longas e desconhecidas que causam distração. A lição é, portanto, interrompida por um ou dois minutos enquanto as palavras difíceis são escritas claramente no quadro e algumas explicações são dadas. Tais interrupções arruinam a melhor aula, pois o fio condutor do interesse e da concentração intensa foi quebrado e a turma terá grande dificuldade em retomá-lo e mantê-lo, prejudicando a aula. Portanto, sempre que possível, todos os nomes devem ser escritos no quadro logo após a recapitulação da aula anterior, e as crianças devem repeti-los até que suas línguas os encontrem fáceis e familiares. Quanto aos “extras interessantes” que o professor pode acrescentar, eles podem vir no início da lição, para despertar o interesse ou a curiosidade, ou, geralmente melhor, no final, nos poucos minutos tão zelosamente reservados para perguntas, comentários, etc., que completam a aula perfeita.

Com o tempo, ao chegar nas séries mais avançadas da escola, a narração se torna um hábito arraigado, conduzindo à observação cuidadosa, ao pensamento conectado, à capacidade de relacionar o que foi aprendido no trimestre passado — na semana anterior — no dia de ontem — com o novo tema que está em consideração agora. Essa coordenação de ideias, que cresce a partir de narrações anteriores, se expande sobre um campo amplo da vida da mente. Um detalhe lido hoje pode despertar eco em outra matéria ou lição estudada anteriormente e assim, desenvolve-se a capacidade de comparar, contrastar e ilustrar com exemplos. Isso deve levar a um uso valioso da analogia e à aplicação da história passada aos tempos modernos e aos problemas atuais.

Existem mais duas formas de narração que podem ser praticadas aqui: em uma delas, os alunos fazem perguntas para a turma de forma a cobrir toda a lição. A arte de formular uma boa pergunta é, por si só, um exercício precioso. A outra forma é a narração silenciosa. Todos deveriam dominar essa técnica, nem que seja apenas por sua utilidade na vida após a escola, quando se deseja fazer uma leitura séria em casa ou no decorrer de algum tipo de ensino superior. A narração em silêncio exige grande concentração, mas, uma vez dominada, dá ao seu praticante o poder de continuar sua educação pelo resto da vida.


Texto oiriginal publicado por Charlotte Mason Poetry