Nota do editor:
Antoinette Devonshire nasceu em 1893 e chegou à House of Education (Casa de Educação) em 1915. Como aluna da própria Charlotte Mason, Antoinette parece ter se destacado particularmente em francês: suas “Notas de Lição” sobre leitura em francês foram publicadas na Parents’ Review de novembro de 1915. Já em março de 1917, a L’Umile Pianta trouxe a notícia de seu casamento. A partir de então, ela passou a ser conhecida como Sra. Evan Campbell.
Como esposa e depois como mãe, Antoinette manteve seus laços com a União Nacional de Pais Educadores (PNEU) assim como sua proficiência em francês. Em 1924, foi membro do Comitê Executivo da União, e em 1926 representou a organização no Oitavo Congresso Internacional de Treinamento Artístico, na Bélgica. Para esse congresso, ela redigiu e apresentou um artigo em francês, publicado naquele mesmo ano na Parents’ Review. É um dos poucos artigos inteiramente em francês que apareceram no periódico de Miss Mason; e temos alegria em saber que foi transcrito por nossos amigos da Charlotte Mason France.
Antoinette possuía uma voz um tanto única dentro da União. Não apenas aprendera diretamente com a Srta. Mason; não apenas era apaixonadamente devotada às suas ideias; mas também as colocara em prática como mãe de seus próprios filhos. Quando, em 1930, o artigo A Sacralidade da Pessoa foi concebido para a Parents’ Review, três perspectivas foram escolhidas: uma foi “O Ponto de Vista do Professor”, e naturalmente a Sra. Campbell apresentou “O Ponto de Vista da Vida no Lar”.
A voz distinta de Antoinette é especialmente evidente em seu artigo de 1926, marco sobre os princípios do treinamento do caráter. Originalmente publicado na edição de julho da Parents’ Review, foi mais tarde republicado como livreto independente. Nesse mesmo ano, foi destacado como leitura recomendada para mães de pequeninos no folheto Occupations (Ocupações), logo após os livros da própria Srta. Mason. Leia mais e você entenderá o porquê.
Os Princípios da Srta. Mason no Treinamento do Caráter por Sra. Evan Campbell
Parents’ Review, 1926, pp. 444–451
Vou falar de algumas das maneiras pelas quais as mães podem aplicar os princípios da Srta. Mason no treinamento dos filhos pequenos em casa. Creio que as crianças já podem ser consideradas na sala de aula de casa muito antes de estarem em idade de seguir o currículo da Escola da União de Pais (PUS), e a Srta. Mason nos deu abundante instrução sobre o assunto da formação de crianças pequenas em seus livros Educação no Lar e Pais e Filhos. Quanto mais lidamos com a aplicação prática desses princípios, mais nos inflamamos de entusiasmo pela nossa Fundadora.
Para nós, mães que cremos de todo o coração na filosofia educacional da Srta. Mason e aspiramos ensinar e formar nossos próprios filhos, há uma fonte particular de satisfação: podemos começar desde o princípio. Mason nos disse (estas são suas próprias palavras): “Todo avanço real se dá pelas linhas do caráter; dirigir a evolução do caráter é o principal ofício da educação.”
Já ouvimos nesta manhã sobre os três grandes instrumentos educacionais definidos pela Srta. Mason, que ela desejava que usássemos: a atmosfera da educação, a disciplina do hábito e a apresentação de ideias vivas. Esses três estão intimamente associados em sua operação e em seus resultados.
É certo que, nos primeiros seis ou sete anos de vida de uma criança, os pais têm a oportunidade de modificar a atmosfera do ambiente como nunca mais terão; hábitos se formam mais facilmente, e as ocasiões de apresentar ideias são infinitamente mais frequentes devido à sede insaciável de conhecimento da criança. Portanto, desde o berço, o treinamento do caráter, que é de primeira importância, deve andar de mãos dadas com a aquisição de conhecimento.
A Srta. Mason enfatizou que as mães, em virtude de seu amor e discernimento, são especialmente qualificadas para formar seus filhos, e reiterou a afirmação de Pestalozzi de que o que se exige das mães é “um amor pensante”. É necessária uma combinação de amor e conhecimento. Para que as mães andem dignas de sua vocação, devem estudar as leis do desenvolvimento das crianças — moral, mental e físico — e Mason observa que o trabalho da mãe que se propõe a compreender essas leis se torna infinitamente mais leve. Creio que muitas de nós, mães, precisamos ser lembradas disso, pois facilmente sucumbimos à tentação de deixar toda a formação de nossos filhos nas mãos de uma babá ou governanta, sob a alegação de que ela é mais competente que nós. Quanto mais conhecimento tiver a babá, melhor; mas ela deve sempre ser delegada da mãe, dirigida por ela, empregando seus métodos e partilhando de seu amor e entusiasmo.
Posso dizer apenas poucas palavras aqui sobre a forma como modificamos o ambiente de nossos filhos, mesmo desde a primeira infância. Todos sabemos que a mente não pode crescer nem o caráter se desenvolver plenamente a menos que o corpo esteja em condições de saúde, e que a atmosfera deve ser calma para que não haja excitação indevida dos nervos sensíveis — para que o medo seja eliminado e a confiança floresça. Cito as palavras da falecida Dra. Helen Webb sobre o assunto: “As crianças devem ser cercadas por alegria até o nível da bem-aventurança, e por uma vigilância silenciosa sem alvoroço.” Esta afirmação é sempre uma inspiração para mim. O que os pais pensam, o que fazem, o que creem, e acima de tudo, o que são, influenciará seus filhos e os filhos de seus filhos numa medida que transcende nossa imaginação.
A Srta. Mason nos diz que, nos primeiros seis anos de vida, a criança deve aprender das coisas e não dos livros. Ela já está plenamente equipada com seus cinco sentidos para adquirir conhecimento. Mason não recomendou o uso de aparelhos complicados, especialmente projetados para cultivar os sentidos. Os métodos que ela defende são muito mais simples. Posso responder pela sua maravilhosa eficácia em treinar as crianças a estabelecer relações com as coisas que as cercam e alimentar suas mentes famintas com o conhecimento da natureza, da ciência e da arte.
As crianças são intensamente observadoras e seus sentidos, aguçados. Como vamos ajudá-las a fazer uso desse grande poder? Mason nos orienta: no exato momento em que o olhar de uma criancinha pousa em algum novo objeto, mostremos a ela que nós também nos interessamos por aquela coisa maravilhosa e digamos algo sobre ela, de modo a segurar sua atenção por um instante. A Srta. Mason dá o exemplo de uma margarida que uma garotinha apanhou. Devemos ensinar nossos bebês a olhar quando veem, a escutar quando ouvem; e mais tarde veremos que se formaram hábitos de observação e de atenção. Sabemos que o hábito da atenção, se continuar a se desenvolver, levará ao poder da concentração — um verdadeiro tesouro para a vida futura. Mas será que percebemos o quanto esses hábitos já serão úteis antes mesmo de a criança completar seis anos? Flores, árvores, animais, insetos, o clima, o sol e as nuvens, os tempos e estações, o campo ao redor, fazendas, campos, rios, colinas, o mar; tudo isso representará mais do que conhecimento real para a criança; despertarão o amor pela beleza e pela verdade, e trarão vislumbres de Infinito e Harmonia que serão lembrados por toda a vida.
Agora pensemos em alguns dos muitos outros hábitos que contribuirão para a formação do caráter. A Srta. Mason os descreve como “aqueles hábitos da boa vida que são o fruto de ideias vitalizadoras.” Não há tempo para falar muito sobre os hábitos do corpo, mas toda mãe da PNEU sabe como eles estão intimamente ligados aos hábitos da mente. Crianças pequenas sentem grande orgulho em se lavar e se vestir sozinhas. Isso desenvolve habilidade com as mãos, dá ocupação e interesse, e ainda melhor, um senso de realização e independência. Limpeza, ordem, asseio, pontualidade, “essas virtudes”, Mason escreveu , “devem estar ao redor da criança como o ar que ela respira.” O problema de ensinar às crianças a organização tem sido muito discutido — guardar as coisas é muitas vezes um incômodo quando a criança deseja encher seu precioso tempo com outras atividades ou quando precisa ir para a cama. Eu mesma descobri, com minhas meninas, que o importante é que compreendam que cada coisa deve ter o seu lugar e voltar para ele — mas a tarefa de guardar não precisa sempre recair sobre a criança. Os adultos podem aliviar o trabalho — às vezes até fazer tudo — mas, nesse caso, as crianças precisam saber que isso foi feito por bondade e agradecer por isso. Descobri que dar a cada criança seu próprio espaço para brinquedos, uma estante para seus tesouros e uma gaveta na penteadeira é um estímulo para hábitos metódicos.
Um hábito de importância fundamental é a obediência aos pais e seus delegados, pois nossos filhos nunca desfrutarão da verdadeira liberdade até que tenham passado pelo treinamento que a obediência realiza. A Srta. Mason insistia para que as mães entendessem que não são livres para permitir ou proibir as ações de seus filhos conforme seus próprios caprichos, mas que devem obedecer a certas leis porque é o que é certo e é o que lhes faz bem. As crianças logo serão capazes de entender isso por si mesmas. Somos os guardiões de suas consciências e devemos protegê-los do esforço de tomar decisões morais enquanto seu julgamento ainda é imaturo. Se a decisão for de tal natureza que a criança seja capaz de tomá-la sozinha, então, é claro, devemos nos abster de dirigir. O hábito da obediência pode ser adquirido já na infância, ou pelo menos antes dos dois anos de idade.
Com a formação desse hábito, como com todos os outros, quando se trata da prática cotidiana devemos lembrar de nunca permitir um retrocesso. É necessário haver um treinamento constante e coerente; isso por si só já impõe disciplina. Mason nos adverte que, se ignorarmos uma recaída “porque a pobre criança estava se esforçando tanto”, o trabalho estará desfeito, e mãe e filho terão de começar tudo de novo. Mais uma vez é um caso de “vigilância silenciosa”. É justamente nesse ponto que devemos ter certeza de que a babá trabalha em conjunto conosco — seja na formação de um bom hábito, seja no combate a um mau hábito. A Srta. Mason nos dá outro alerta de ouro: “não permita que o assunto se torne causa de atrito.” Isso é por vezes muito difícil de cumprir, mas quão importante é! Se começarmos a resmungar ou a ralhar, nós mesmas faremos a criança perder terreno — e também sofrer.
Existem, é claro, tantos hábitos da boa vida a serem cultivados em crianças de menos de sete ou oito anos que não posso enumerá-los agora; mas alguns dos mais destacados são o hábito da veracidade, o hábito da coragem e o hábito da execução perfeita. Muito depende do modo como apresentamos a ideia inicial. A Srta. Mason condenava o uso extremo da sugestão, por considerá-la uma invasão da ação da vontade livre da criança, mas também escreveu estas palavras: “Ideia e sugestão podem ser usadas como sinônimas, na medida em que ideias transmitem sugestões a serem encarnadas em atos.” Nesse sentido, estamos constantemente usando a sugestão. Tomemos a coragem como exemplo. Uma vez que tenhamos inflamado a imaginação com o esplendor e a dignidade de “ser corajoso”, qual criança não terá um ardente desejo de demonstrar coragem por si mesma? Cada queda, cada tropeço, cada decepção nos dará — a mãe e ao filho — uma oportunidade de desenvolver o hábito da coragem. Infelizmente, muitas vezes mães e babás se colocam no caminho de sugerir o medo em vez da coragem. As crianças “pegam” esse mal tão facilmente quanto o sarampo, e os efeitos posteriores são muito mais prejudiciais. No início de uma tempestade, é tão simples olhar com encanto e dizer aos nossos pequenos para escutarem o trovão maravilhoso que ouvirão dentro de instantes, e levá-los até a janela para ver os relâmpagos; mas, em vez disso, ouvem-se pessoas discutindo diante da criança se estão ou não com medo da tempestade!
Mason deu ênfase ao hábito da execução perfeita, e ao tentar formá-lo em meus próprios filhos percebi que ele tem grande relevância no treinamento do caráter, trazendo outros bons hábitos em seu encalço, como perseverança, atenção, paciência, ambição justa — e também modéstia. Seja o que for: cestaria, costura, pintura ou modelagem — todas excelentes e prazerosas atividades mesmo para crianças de quatro, cinco e seis anos — não permita que amigos ou parentes elogiem o trabalho a menos que tenha sido o melhor que a criança podia fazer, ou pelo menos fruto de esforço real e constante. É bastante simples de nossa parte oferecer apenas trabalhos que estejam ao alcance das suas capacidades.
Mason destacou que os hábitos de mansidão, bondade, veracidade e respeito ao próximo são inspirados pela atmosfera do lar, e afirma que “uma mãe simplesmente não pode deixar de imprimir sua própria visão nos hábitos de seus filhos.” As crianças estão maravilhosamente dispostas a desenvolver hábitos de ajuda mútua. Seja nos trabalhos da casa, na cozinha ou na jardinagem, elas sempre se mostram ansiosas e orgulhosas de dar sua colaboração.
Falamos até agora sobre fomentar bons hábitos — mas e se houver maus hábitos a serem eliminados, ou outros defeitos a serem curados? Creio que todas as mães deveriam estudar os capítulos da Srta. Mason sobre esses assuntos; eles são tremendamente úteis, e todos nós nos deparamos com problemas como: que tipo de castigos aplicar ou como lidar com os acessos de raiva. Mason considerava que os castigos, quando necessários, deveriam ser as consequências naturais ou relativas da conduta. Às vezes é de fato muito difícil pensar e encontrar a consequência relativa adequada quando a consequência natural seria drástica demais ou, como coloca Mason, “exatamente aquilo que é ofício da mãe evitar.” É perfeitamente aceitável advertir as crianças sobre as consequências de suas travessuras, caso insistam nelas, mas nesse ponto precisamos garantir que nem nós, nem nossas babás, façamos ameaças às crianças que não pretendemos cumprir.
Todos os maus hábitos e quaisquer traços desagradáveis devem ser corrigidos pela formação do hábito oposto e bom. Creio que não se pode tratar nenhuma forma de travessura habitual com excesso de ternura ou simpatia. O mais importante é que a criança compreenda aquilo que precisa vencer e os caminhos pelos quais pode fazer o bem. Ela tentará — e saberá que sua mãe a está apoiando.
Se uma criança adquiriu o hábito de faltar com a verdade, a mãe precisa de enorme tato e discernimento em relação à disposição da criança e talvez tenha de dedicar grande parte de seu tempo à cura. O castigo — exceto pela consequência triste, mas temporária, de não ser considerada digna de confiança — tende a causar dano. Se a criança tem inclinação para inventar histórias, Mason explica que isso pode bem ser porque “sua imaginação voraz não está sendo alimentada com o alimento adequado dos contos de fadas.” Devemos não apenas dar contos de fadas às crianças, mas também tempo para seus maravilhosos jogos de faz de conta, e ao mesmo tempo treiná-las nos hábitos de precisão em todas as questões de fato. Se elas derem um relato fantástico de algum incidente, podemos dizer: “Que maravilhoso — mas agora me conte o que realmente aconteceu.” Dou um exemplo: cheguei em casa certa tarde e encontrei minha filha de cinco anos desconsolada com uma boneca quebrada. “Como aconteceu?”, perguntei. “Bem, mamãe, eu estava olhando para ela, e a cabeça dela começou a balançar devagarinho, e balançou mais e mais até que finalmente caiu!!” Comentei sobre a estranheza do fenômeno e então perguntei: “Como aconteceu de verdade?” Imediatamente ela contou a versão correta.
A enrolação é um mau hábito que muito frequentemente se apossa dos pequenos, e a grande cura parece ser a ocupação. Mantenha a criança bastante ocupada com coisas para fazer, que sejam na maior parte extremamente agradáveis e interessantes — ou, melhor ainda, úteis para outras pessoas — e não haverá tempo para enrolar. Isso não significa que iremos sobrecarregar o cérebro da criança ou dar-lhe lições em excesso. A enrolação jamais deve ser permitida; leva ao pensamento disperso ou à inércia mental. Antigamente se supunha que crianças muito nervosas deveriam trabalhar pouco ou nada e apenas correr soltas pelo campo. Podemos fazer muito mais para promover um estado mental calmo e contente sugerindo algumas ideias de utilidade ou interesse e estabelecendo trilhos de hábito em lugares agradáveis.
A Srta. Mason descobriu um remédio de ouro para os acessos de mau humor. Ela explicou que os acessos são resultado de uma tendência inata, e que a maneira de contê-los é mudar o pensamento da criança no exato momento em que a explosão ameaça. O hábito é assim interrompido. Qualquer coisa serve: enviar a criança com um recado, fazer-lhe uma pergunta surpreendente, dizer algo engraçado, inventar alguma distração. É preciso presença de espírito! Se for tarde demais e a tempestade já tiver caído, a raiva e a repreensão são inúteis. Devemos dar ao pobre pequeno nosso apoio amoroso, como se estivesse doente. Ele pode perceber nossa tristeza por causa do ocorrido, mas não deve ver que estamos zangados. A correção virá quando ele estiver novamente calmo. (Mason sempre aconselhava as mães a evitarem falar demais e moralizar em excesso.) Não apenas o temperamento, mas muitos outros defeitos podem ser refreados pela mudança de pensamento e pelo poder de um hábito expulsar outro.
O egoísmo é uma erva daninha que encontra pouquíssimo espaço para crescer numa família feliz, útil e ocupada. Arranquemo-la pela raiz, incentivando o hábito da bondade. As crianças amam oferecer presentes e surpresas inventadas por elas mesmas, tanto umas às outras quanto a todos os membros da família.
Psicólogos eminentes nos dizem que os resultados morais são produzidos pelos bons hábitos — resultados que antes se acreditava alcançáveis apenas por meio do autocontrole. Trinta e três anos atrás, a Srta. Mason já nos oferecia esse ensino em Educação no Lar, com explicações detalhadas sobre como proceder. Seus métodos estão em perfeita conformidade com as conclusões dos psicólogos, e é empolgante descobrir que ela foi ainda mais longe, mostrando que a formação dos hábitos mentais corretos na verdade desenvolve o poder de autocontrole.
A inteira responsabilidade de dar às crianças aquilo que Mason chama de “a disciplina do poder de compelir a si mesmo” recai sobre os pais. Os pais são os inspiradores de seus filhos. Podem cercá-los de uma atmosfera de amor; podem transmitir a visão do Amor Infinito, na medida em que eles próprios a sustentam; e até mesmo o próprio poder de amar pode ser cultivado e fortalecido pelo hábito.
Texto oiriginal publicado por Chalrotte Mason Poetry